Dia Mundial da SIDA. "Em Portugal continuamos com diagnósticos tardios"
- 01/12/2025
Esta segunda-feira, dia 1 de dezembro, assinala-se o Dia Mundial da SIDA, data que pretende sensibilizar para a doença, alertando para a importância de se continuar a investir em tratamentos, ao mesmo tempo que se promove a prevenção e a luta contra o preconceito.
O Lifestyle ao Minuto esteve à conversa com Joana Boto Fernandes, médica infecciologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Católica Portuguesa que falou sobre a doença em Portugal, os progressos já conseguidos e o caminho que ainda precisa de ser percorrido.
40 anos após o início da pandemia do VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana), quais foram as maiores conquistas no âmbito da luta contra a SIDA?
Tornámos a infeção por VIH numa doença crónica controlável, com terapêuticas simples, seguras e altamente eficazes. Hoje, uma pessoa em tratamento pode ter esperança de vida semelhante à da população geral. Além disso, a prevenção evoluiu muito e a ciência demonstrou que "Indetetável = Intransmissível", reduzindo o estigma e protegendo os parceiros.
Joana Boto Fernandes, Médica infecciologista e professora da Faculdade de Medicina da Universidade Católica Portuguesa© Taylor
Em 2024 estima-se que 1,3 milhões de pessoas foram infetadas pelo vírus, segundo um relatório da UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre VIH/SIDA). Estes são números altos se considerarmos os alertas? Ou poderão ter uma análise positiva?
São números elevados e mostram que a pandemia não acabou. No entanto, também refletem maior testagem e melhores sistemas de vigilância, o que é positivo. O grande desafio é garantir que o acesso à prevenção e ao tratamento chega aos grupos mais vulneráveis globalmente.
Em Portugal, continuamos com demasiados diagnósticos tardios associados não só ao atraso da procura de cuidados médicos pelo indivíduo com comportamento de risco, mas também pela requisição tardia por parte do clínico por inadequada avaliação do riscoEm Portugal, o que é que tem falhado no que diz respeito aos tratamentos e na prevenção?
Em Portugal continuamos com demasiados diagnósticos tardios associados não só ao atraso da procura de cuidados médicos pelo indivíduo com comportamento de risco, mas também pela requisição tardia por parte do clínico por inadequada avaliação do risco.
Isto implica indivíduos com saúde mais degradada e até doença definidora de SIDA e persistência de cadeias de transmissão. Também a PrEP (Profilaxia pré-exposição) ainda não está disponível de forma equitativa em todos os serviços, criando desigualdades.
Persistem ideias falsas como a transmissão por beijos, partilha de objetos ou aparência física "visível". Também existe a crença errada de que a infeção por VIH já "não é grave"Na era da informação, quais os maiores mitos em que as pessoas acreditam em relação à SIDA? E como contrariá-los?
Persistem ideias falsas como a transmissão por beijos, partilha de objetos ou aparência física "visível". Também existe a crença errada de que a infeção por VIH já "não é grave". A melhor forma de contrariar estes mitos é garantir informação simples, acessível e repetida, aliada ao testemunho de pessoas que vivem com VIH.
Aproveitemos para esclarecer alguns dos mitos. Se se beijar alguém que tem o vírus do VIH e essa pessoa tiver uma ferida na boca, o vírus pode ser transmitido?
Não. O risco é praticamente 0%, porque a concentração de vírus na saliva é insuficiente para transmitir.
O vírus é transmitido via sexo oral?
O risco é muito baixo, estimado em <1% por exposição, especialmente sem ejaculação na boca. Ainda assim, recomenda-se proteção sempre que possível.
Uma mulher com o vírus VIH que engravida transmite o vírus ao filho?
Não. Com tratamento adequado, o risco de transmissão vertical desce de cerca de 30% sem tratamento para <1% com seguimento correto. É uma das maiores vitórias do seguimento de doentes com VIH.
As pessoas com VIH transmitem sempre a infeção?
Não. Pessoas com carga viral indetetável há pelo menos 6 meses têm 0% de risco de transmissão sexual, segundo evidência internacional sólida ("Indetetável=Intransmissível").
A comunidade homossexual ainda é considerada um dos grupos de risco ou o cenário mudou nestes 40 anos?
O risco está nos comportamentos e não na orientação sexual, mas a incidência continua mais elevada entre homens que têm sexo com homens (HSH). Tal resulta de fatores como redes sexuais mais interligadas e menor uso consistente de preservativo. Não significa que ser homossexual seja um fator biológico de risco.
Em Portugal, 71,7% dos infetados com o vírus são homens, segundo dados da associação PensaPositivo. Há fatores que expliquem esta percentagem mais elevada?
As tendências epidemiológicas mostram maior incidência entre homens, sobretudo HSH, e maior número de diagnósticos tardios. Também existe menor procura de cuidados preventivos por parte dos homens, incluindo testagem regular. Estes fatores combinados explicam a diferença.
Para as pessoas que tiveram comportamentos de risco, quais os primeiros passos a tomar?
Deve fazer-se um teste o mais cedo possível e repetir de acordo com o período de janela. Se o risco ocorreu nas últimas 72 horas, deve-se procurar rapidamente assistência para iniciar PEP (profilaxia pós-exposição), caso esta esteja indicada. Até esclarecer a situação, é importante evitar novos comportamentos de risco.
Manter consultas regulares e adesão à terapêutica permite alcançar indetetabilidade e, com isso, vida normal e risco zero de transmissãoE no caso de se testar positivo, qual o conselho que daria?
Iniciar tratamento rapidamente é a melhor decisão: os medicamentos são eficazes e bem tolerados. Manter consultas regulares e adesão à terapêutica permite alcançar indetetabilidade e, com isso, vida normal e risco zero de transmissão. Procurar apoio emocional ou comunitário também é fundamental.
Enquanto médica infeciologista, acredita na possibilidade da irradicação do vírus ou é um cenário muito improvável?
A erradicação completa é improvável a curto prazo devido à capacidade do vírus se esconder no organismo. Mas o controlo total da transmissão - como já vemos em quem está indetetável - é um objetivo realista. Investir em informação, prevenção e diagnóstico precoce é o caminho para atingirmos essa meta.




